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sábado, 4 de julho de 2020

Do diálogo à co-presença entre diferentes modelos de formação e prática artística


“Eu não sou eu nem sou o outro
Sou qualquer coisa de intermédio:
Pilar da ponte de tédio
Que vai de mim para o Outro”.

Mário de Sá Carneiro


É latente a possibilidade de algum leitor problematizar a relação que estabeleci entre o trabalho de Klauss Vianna e de Antunes Filho no ponto em que, no texto anterior, afirmo que ambos partem da retomada de aspectos da fisiologia e do corpo, passando pelo encontro com o outro e com o espaço para finalmente encontrarem a expressão autentica de um indivíduo-artista. Quanto ao percurso não há discordância, porém, chamo agora a atenção para o “como” cada um destes mestres conduz este percurso. Certa vez ouvi uma orientadora minha criticar metodologias repetição exaustiva ou “cópia cega” de um modelo sem a consciência, escuta e análise do que está acontecendo com o próprio corpo - caminho distante do processo pedagógico de Klauss Vianna. A preocupação com a lesão deve estar presente no trabalho pedagógico.
Um aspecto caro para mim é a possibilidade de relacionar o conhecimento prévio com o atual, o que aceitamos como conhecimento válido e o que descartamos. Fiquei provocado na direção de uma reflexão sobre as possibilidades de diálogo das universidades com o que esta fora delas, assim como a dança dialogar com o teatro o dramático com o pós-dramático, o clássico e o contemporâneo e numa exacerbação, em alguma medida que ainda não sei elaborar - a arte dialogar com entretenimento. Como um lado não anula o outro. Como modificar o olhar colonizador?
‘Respirar’, ‘adaptar’, ‘relacionar’ são exemplos de noções assimiladas ao longo dos anos e que trago no meu corpo para esta e para futuras experiências. Um processo muito caro e nada simples para mim, tem sido o de juntar mais e separar menos. Do texto “Para além do pensamento abissal” de Boaventura de Souza Santos destaco:

O pensamento moderno ocidental é um pensamento abissal. Consiste num sistema de distinções visíveis e invisíveis, sendo que as invisíveis fundamentam as visíveis. As distinções invisíveis são estabelecidas através de linhas radicais que dividem a realidade social em dois universos distintos: o universo “deste lado da linha” e o universo “do outro lado da linha”. A divisão é tal que “o outro lado da linha” desaparece enquanto realidade, torna-se inexistente, e é mesmo produzido como inexistente. Inexistência significa não existir sob qualquer forma de ser relevante ou compreensível. Tudo aquilo que e produzido como inexistente e excluído de forma radical porque permanece exterior ao universo que a própria concepção aceite de inclusão considera como sendo o Outro. (SANTOS: 2007, 3)

O que torna-se mais significativo, por enquanto, é que não precisarei deixar de relacionar minhas experiências prévias com as atuais e acredito que as pontes continuarão sendo feitas por complementaridade, analogia e até por oposição. Talvez isto sinalize a necessidade de encontrar meu caminho próprio como artista e estudioso que resultará numa re-elaboração de todo este aprendizado.

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