Páginas

sábado, 14 de novembro de 2020

Cia de Artes Val Leine apresenta: Casa Aberta 3

 

A história da mulher que durante 3 semanas contou segredos e desabafos ao liquidificador enquanto preparava seu suco matinal;

A história do homem que durante 3 semanas abriu lives no instagram esperando encontrar-se com pessoas que lhe contassem experiências vividas durante a pandemia;

A história do homem que durante 3 semanas recebeu vídeos de todas as partes do mundo com artistas mostrando algo que aprenderam a fazer em casa durante a pandemia. 

Inspirado no texto “Performance e Teatro: poéticas e políticas da cena contemporânea” de Eleonora Fabião.




Sinopse: Em “Casa Aberta 3" a Cia Artes Val Leine investiga a linguagem da performance com o desdobramento do mote da casa - assunto central do conto do Conto “Casa Tomada” de Júlio Cortázar - friccionando a ficção e a circunstância real da vida em confinamento provocada pela pandemia. 


Histórico do Evento: O projeto “Casa Aberta” surge no segundo semestre de 2020 reunindo artistas interessados em pesquisar possibilidades de criação cênica virtualmente durante a pandemia. Trata se de um work in progress multi-linguagens inspirado na obra Casa Tomada de Júlio Cortázar. Todo o processo tem sido aberto ao público na plataforma Instagram. Seu primeiro modulo de criação ocorreu em agosto com lives literárias realizadas em parceria entre a Cia Artes Val Leine e o Núcleo Transversal. Em setembro é realizado o segundo modulo Casa Aberta 2 com a exploração da linguagem da fotografia a partir de provocações/imagens do texto de Cortázar. Neste terceiro módulo Casa Aberta 3 o grupo investiga a linguagem da performance com o desdobramento do mote da casa – central no conto de Cortázar - e exploração de circunstâncias reais da vida em confinamento provocada pela pandemia. Foram concebidos 3 programas que serão performados no Instagram cada qual em uma de suas plataformas/formatos: Live, feed e stories. 


A Cia. de Artes Val Leine teve início durante a pandemia a partir do incômodo causado pelo isolamento social e também pela vontade de criar. O grupo passou a explorar contos da literatura e novas dramaturgias por meio de encontros realizados pelos dispositivos de vídeo chamada e vídeo conferência. Após a leitura de contos de autores diversos, os integrantes do grupo decidiram experimentar/trabalhar com o conto “Casa Tomada” escrito em 1953, do autor argentino Julio Cortázar.
A Cia. De Artes Val Leine tem a intenção de transitar pelas diversas linguagens artísticas como: teatro, dança, performance e intervenção, tendo como proposta convidar diretores novos a cada processo criativo.


Ficha Técnica:
Orientação: Tom Paranhos
Performers-criadores: Rodrigo Malaspina e Val Leine
Produção: Cia Artes Val Leine 


Serviço:
De 16.11 a 06.12
Gratuito no Instagram: @cia_artesvalleine
Classificação: 16 anos

domingo, 1 de novembro de 2020

A construção da relação do ator com o outro

 

 “Eu não sou eu nem sou o outro,

Sou qualquer coisa de intermédio

Pilar da ponte de tédio

Que vai de mim para o outro”

Mário de Sá Carneiro

 

Independentemente da estética ou gênero abordado (naturalismo, épico, dramático, performativo) o trabalho do ator sempre passa pela investigação de sua relação com “o outro” seja este outro ator ou espectador. A arte do ator de algum modo está fundada em “relações” dramáticas, afetivas etc. Para haver cena deve haver antes uma relação clara entre os intérpretes e destes com o público. A investigação desta relação parece ser uma das matrizes ou princípios desta arte.  

A relação do ator com o publico, por exemplo, merece uma atenção especial. Cada gesto diante da plateia será olhado, interpretado e lido no contexto de uma obra artística. O ator estará sempre persuadindo, seduzindo, comentando, intermediando obra e público e algumas vezes criando a obra “com” o público. Ou seja, a relação com este público é condição ou requisito para a recepção da obra artística. A relação do ator com outro ator em cena também é o fundamento da construção de inúmeros aspectos como conflito (no caso do teatro dramático ou realista ou dito mimético). Ou mesmo a existência de relações espaciais, relações de tempo-ritmo em cenas mais abstratas. Estando “em relação” o ator é sempre um contraponto ou complemento do outro para que a cena aconteça.  

Também podemos mencionar as inúmeras possibilidades de exploração da relação do ator com o espaço, entretanto, como recorte focamos aqui ator-espectador e ator-ator. A necessidade de estar em relação com o outro é um princípio na arte do ator. Independentemente da estética focalizada sempre haverá que se estabelecer uma relação clara com o outro ator em cena e com o público. Na cena ao vivo isto se torna ainda mais evidente. Nas artes cênicas da atualidade, nada se encerra no indivíduo. A dinâmica da comunicação acontece ao criar-se relações entre dois atuadores, entre atuador e público ou entre atuadores e público. Os “entres” que estas relações criam, assumem infinitas feições, mas trata-se sempre da dimensão poética instaurando-se e multiplicando significados;

Na medida em que os espetáculos saem da caixa preta e do palco italiano, ganham ruas, espaços não edificados para fins teatrais etc. Da mesma forma que o texto vai deixando de ser o centro da cena e os atores vão sendo trazidos para um encontro com a situação real do teatro em detrimento de estéticas estritamente ficcionais. Há um desejo implícito na arte contemporânea de realizar um encontro real e não representado com o público.

A importância de retornarmos aos nossos pedagogos e encenadores nacionais, constituir e reconhecer a nossa identidade são urgentes. Nesta perspectiva, a capacidade de “fazer pontes” entre teatro e dança, clássico e contemporâneo etc. - é um aspecto chave para se pensar a arte do ator na contemporaneidade, na medida em que cada vez mais as fronteiras entre as artes vão se diluindo e a integração vai emergindo. Atuar passa a envolver inúmeras habilidades e competências do ator: dançar, atuar, cantar entre outras inúmeras possibilidades de linguagens que se fundem no contexto de criação de uma obra artística. Do ponto de vista estético a arte do ator vai se transformando de acordo com as demandas do tempo. A nova abordagem do trabalho do ator tem envolvido o diálogo intenso entre diversas linguagens artísticas. Assim o teatro se aproxima da dança, da música e da performance. O ator irá se desenvolver em contextos diversos como o da arte da representação de um lado e as estéticas do real de outro. Nesta perspectiva a formação técnica do ator também irá abarcar cada vez mais o conhecimento que vem das linguagens da dança, da performance, da música etc.

            Pensar o ator em formação é pensar o indivíduo em formação, cultivar uma visão de homem que inspire a arte. Pensar o interprete como um ser humano, sua história, sua identidade sua visão de mundo em diálogo e alteridade em relação ao outro (seja ele o personagem ou obra ou os parceiros ou o público). A arte do ator também é pensada sob a perspectiva de sua função social. A formação do indivíduo; A permanente revisão e discussão sobre a condição da humanidade, seus valores e princípios; A construção e afirmação de uma identidade artística e a consciência da responsabilidade do ator como sujeito que age no mundo por meio de uma prática artística alinhada a aspectos éticos e estéticos. Aspectos como a aguçada e permanente reflexão sobre a visão de homem e de arte em oposição ao que se pode entender como simples exercício de ego e que configura a atividade do ator como arte capaz de dialogar com a realidade intervindo diretamente em contextos mais amplos como o social e o político.

           Muito tem se falado a respeito de “presença” quando o assunto é arte do ator, logo, muitas são as definições de presença que encontraremos. Para alguns presença pode dizer respeito a uma espacialidade dentro de outra espacialidade; uma espacialidade gerando e conectando outras espacialidades. As abordagens e as escolas são as mais diversas. Encontramos eco deste tópico em Piter Brook, Jacques Lecoq, Josétte Feral, Eugênio Barba, Yoshi Oida para citar apenas alguns dos nomes que nas últimas décadas lidaram com o tema em sua prática artística e em registros escritos.

          Aos mesmos nomes citados acima juntamos outra infinidade quando o tópico é “relação”. Grandes encenadores e pensadores das artes cênicas tem se dedicado a aprofundar o ator em relação com o outro e com o público dando-nos uma perspectiva quase que historiografíca se pensarmos nas contribuições de Stanislavski a Brecht passando por Grotowski; de Bob Wilson a Pina Bausch passando por Ariane Mnouchkine e o brasileiro Antunes Filho. Mas será o curador e crítico de arte Nicolas Bourriaud quem servirá como referencial teórico atualizado para as reflexões a respeito da noção de relação neste trabalho de modo que se estabeleça um diálogo com a pratica artística feita nos dias de hoje. No que diz respeito ao assunto desta pesquisa as idéias de Bourriaud encontram uma síntese no seguinte sentença:

A estética relacional, portanto, está ligada a “uma arte que toma como horizonte teórico a esfera das relações humanas e seu contexto social mais do que a afirmação de um espaço simbólico autônomo e privado”. (BOURRIAUD, 2009).



         Bourriaud cujo pensamento encontra forte eco e diálogo com o pensamento de Walter Benjamin, define “estética relacional” não como uma teoria da arte, mas uma teoria da forma, que se desenvolve através de signos, objetos, formas e gestos. A forma da obra de arte contemporânea se estende além de sua forma material, ela é um princípio dinâmico, não um objeto fechado sobre si mesmo, mas uma relação construída com o outro. A arte de hoje pode ser entendida como um processo de trabalho, um modo de produção que logo que alcança o público, torna-se instantaneamente uma coletividade. O outro passa a ter um papel fundamental na obra, não existindo mais “espaço entre” obra e público na medida em que as obras são construídas “com” o público. Desaparece, assim, a aura inalcançável da obra de arte.

 

Referências Bibliográficas


AZEVEDO, Sonia M. O papel do corpo no corpo do ator. São Paulo: Perspectiva, 2002.

BENJAMIN, W. Textos escolhidos. São Paulo: Abril Cultural, 1980.

BOURRIAUD, Nicolas. Estética Relacional. São Paulo: Martins Fontes, 2009.

LAKATOS, Eva Maria e MARCONI, Marina de Andrade. Fundamentos de Metodologia Científica. São Paulo: Atlas, 2010.

MILLER, Jussara Corrêa. Qual é o corpo que dança? São Paulo: Summus, 2012.

PARDO, Ana Lucia. A teatralidade do Humano. São Paulo: SESC, 2011.

PAVIS, Patrice. 1999. Dicionário de Teatro. São Paulo: Perspectiva.


OUTRAS PUBLICAÇÕES:

Revista Sala Preta Teatros do Real: memórias, autobiografias e documentos em cena. v. 13, n. 2. 2013.