“A experiência, a possibilidade de que algo
nos passe ou nos aconteça ou nos toque, requer um gesto de interrupção, um
gesto que é quase impossível nos tempos que correm: parar para pensar, parar
para olhar, parar para escutar, pensar mais devagar, olhar mais devagar e
escutar mais devagar; parar para sentir, sentir mais devagar, demorar-se nos
detalhes, suspender a opinião, suspender o juízo, suspender a vontade,
suspender o automatismo da ação, cultivar a atenção e a delicadeza, abrir os
olhos e os ouvidos, falar sobre o que nos acontece, aprender a lentidão,
escutar aos outros, cultivar a arte do encontro, calar muito, ter paciência e dar-se
tempo e espaço”.
Jorge
Larrosa
A força que a
multidão, o trânsito urbano e o trabalho exercem sobre nossos corpos é
deformadora. A arte e emerge como um dos últimos espaços de resistência para o
corpo? Último refúgio para o humano? Pergunto-me. Podemos pensar a
“experiência” como educadora do corpo e como intermediadora do conhecimento.
Qual corpo está aberto para a experiência? O que – no corpo - bloqueia a
possibilidade de experiência? Alguém poderia citar aqui o famoso texto “Notas
sobre a experiência e o saber da experiência” de Jorge Larrosa Bondía.
Novamente penso na relação das minhas leituras e práticas anteriores com o que acontece
com meu corpo agora. Nas artes cênicas, artistas, encenadores e teóricos
perseguem estados semelhantes para os
interpretes/atores/dançarinos/performers... Atuadores da arte ao vivo em geral.
Há uma continuidade notória no trabalho dos grandes referenciais
Spolim-Ryngaert-Stanislavski-Grotowski-Antunes-Klauss!
Certa vez uma colega
de curso no campo das artes do corpo comentou seu prazer pela concretude que os
exercícios práticos geram, opondo isto à ideia de memória afetiva ou abordagens
psicológicas presentes na prática teatral. Fico muito provocado por esta ideia
sempre recorrente que muitos insistem em atribuir ao encenador russo
Stanislavski. Anos atrás pude ler mais profundamente o legado do Teatro
de Arte de Moscou e hoje tenho a forte convicção de que o método de
Stanislavski não está baseado na memória ou na psicologia. Seu método parte das
ações físicas. Para Stanislavski em seu método de ações físicas, as pequenas
ações encadeadas são como pistas para nosso “inconsciente” ou para produzir um despertar
de nossa sensibilidade. Associo a ideia de ‘apolíneo’ como este caminho
metódico das ações físicas – toque no corpo do outro e ‘dionisíaco’ como o
desembocar ritualística, aquilo que surge a partir da ação e do estímulo
físico. Assim, apolíneo e dionisíaco são qualidades das artes cênicas que podem
não estar dissociadas.
Quais as
possibilidades de romper com padrões corporais e fornecer ao corpo a
possibilidade de novas experiências a partir da ideia de instabilidade e
desequilíbrio? “risco” e “medo” estão associados à impossibilidade de
investigar determinada dinâmica corporal. Lembro-me que o segundo exercício que
fiz no CPT consistia em abandonar-se ao chão e deixar que o corpo nos salvasse
antes da queda. A dificuldade do abandono era tremenda e eu me lembro de ter
sido um dos últimos a experimentar o exercício. Ao longo dos meses outro
exercício que Antunes batizou de funâmbulo (grosso modo: andar por uma corda
bamba imaginária) também propunha esta experiência de desequilíbrio no corpo. Estes
exercícios não fizeram sentido imediato para mim, mas tempos depois,
encontrando-me com outras técnicas comecei a compreendê-lo. Percebo que as
proposições de Antunes Filho e Klauss Vianna muitas vezes parecem dialogar no
que diz respeito a partir do corpo e de um trabalho de reencontro com sua
dinâmica fisiológica. A este ponto já estou convencido de que o trabalho do
ator inicia a partir do reencontro com a própria fisiologia. Primeiro a
fisiologia, depois a relação com o espaço e com o outro e por último ou como
resultado, o nascimento de uma expressão autêntica. A ideia de um aprendizado
que se dá pela possibilidade de experienciar é muito cara nas artes cênicas. A
experiência também consiste em abandonar velhos padrões, deixar de lado o que
já fazemos bem.