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domingo, 26 de julho de 2020

O ator como compositor: Chão, corpo-voz, presença e partitura




“Uma palavra de madeira cai no chão.
Caixão, dessa maneira”

Marisa Monte/Arnado Antunes/Arto Lindsay

No trabalho com o corpo, os pés (base do corpo) são sempre o início. Já constatamos. Tenho falado sobre a potencialidade expressiva do corpo a partir de alterações nesta base. Os pés podem ser, também, o apontamento inicial para o trabalho vocal. O corpo “apoiado” propicia a dilatação que influencia na potencia e na expressividade vocal. Em meu percurso de formação como ator, já vivenciei pesquisas práticas que relacionavam corpo e voz. A começar pela base, o apoio no calcanhar ou nos dedos associado à possibilidades de emissão de sons agudos ou graves. Retomo uma fala de Isabel Setti, diretora e professora de voz, sobre a experiência da palavra que parece dialogar diretamente com nossas investigações sobre presença: 

Apoios, dilatação dos espaços internos, tridimensionalidade. Fluxos de energia, direcionamento do sopro, sonoridade das vogais, precisão das consoantes. A boca, seus espaços, sua mobilidade. Flexibilidade e plasticidade da articulação. Apropriação da palavra e das ideias. Ressonância. Assertividade. Presença: uma espacialidade dentro de outra espacialidade; uma espacialidade gerando e conectando espacialidades. Identificação do sujeito que fala à coisa dita. Necessidade. Urgência. Escuta ativa: maturar a palavra no silêncio. Deixar-se tocar por seu corpo vivo. Instinto. Relação do intérprete com as poéticas de seu mundo. Testemunho. (SETTI,: 2007, 31).

Não podemos separar experiências anteriores e atuais, teoria e prática etc. Do mesmo modo interessa relacionar trabalho corporal e o trabalho vocal, na medida em que, sabemos, corpo e voz não se dissociam. Assim, na prática corporal os sons são bem-vindos. Noto a armadilha de emitirmos sons “artificiais”, que não são respostas orgânicas ao movimento realizado, portanto, não nos colocam em estado de descoberta. Interesso-me e busco manifestações sonoras que estão perfeitamente integradas ao movimento realizado.
            O chão é um grande parceiro no trabalho de criação e exploração da partitura. Este é um trabalho de pesquisa muito raro, muitas vezes em trabalhos de montagem de espetáculo ou outros trabalhos de ator a etapa de investigação de partituras é reduzida ou mesmo suprimida. O trabalho com partituras e o entendimento dos apoios e direcionamentos ajudam a entender o trabalho do ator em contexto diferentes do palco. Por exemplo, durante a gravação de conteúdos audiovisuais. A ação física do ator pode ser entendida como partitura e o trabalho com o direcionamento do peso auxilia na resistência e manutenção de horas de trabalho incessantes repetindo takes iguais.

domingo, 12 de julho de 2020

Mimesis a partir de referenciais do corpo


“Me vejo no que vejo
como entrar por meus olhos
em um olho mais límpido
me olha o que eu olho
é minha criação
isto que vejo
perceber é conceber
águas de pensamento
sou criatura
do que vejo.”

Octavio Paz

O trabalho com a base do corpo (pés) já contém um primeiro apontamento para criação de personagem. Isto em maior ou menor grau pode ser trabalho para construção de personagem desde o naturalismo (alteração menor com apoio da respiração) até outras estéticas inclusive corpos cômicos. Observa-se no corpo o grande potencial cômico durante o simples trabalho de caminhar com borda externa ou interna dos pés. Penso que isso é apenas a base e que outras partes do corpo podem ser mobilizadas num trabalho de pequenas alterações de eixo e peso que sejam capazes de orientar a criação de personagens e tipos (bêbado, por exemplo). Mas a base é um ponto muito importante neste tipo de trabalho. Como o corpo pode ir se alterando fisicamente e criando signos que podem dar conta de uma caracterização física. A escuta sensível destas alterações corporais é fundamental, pois pequenas alterações, podem dar conta de revelar de uma postura corporal que indique arrogância, humildade, timidez etc. e é importante que estas atitudes sejam conscientes.

 Lembramos do referencial trabalho do LUME de campinas e seu trabalho de mimesis corpórea que dialoga com o trabalho de Decroux. A Técnica Klauss Vianna é um caminho para se trabalhar este trabalho imitativo do corpo. Este trabalho me prova que não tenho trabalhado algumas bases como braços, por exemplo, que estão muito fracos e penso que a participação deles é fundamental para a capacidade de realizar certos movimentos fora do cotidiano. Por exemplo, dançar ou sustentar o corpo em pausa em cena. A distribuição do peso é uma pesquisa importante.

Relembro que a muitas pessoas recorrem à musculação para atingir um melhor desempenho de força e muitas vezes já fui advertido que a musculação pode travar alguns músculos barrando o fluxo e reduzindo o repertório de movimentos. Nesta perspectiva começo a entender a importância e o valor que esta pesquisa com peso pode ter nas artes do corpo. No contexto de um espetáculo ou apresentação estar presente sem necessariamente estar falando por exemplo. O domínio de peso e partituras nos auxilia nisso.  

Podemos pensar possibilidades de representação a partir da noção de percepção e estabeleço um diálogo direto com esta pesquisa prática com mimese corpórea. Alain Berthoz defende a incapacidade do corpo humano de repetir, problematizando a capacidade de representação. Neste sentido os estudos do corpo que temos feito provoca toda esta onda de discussões que invade o campo das artes no que diz respeito à representação, presentação e a emergência das artes chamadas “performativas”.