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segunda-feira, 11 de janeiro de 2021

O que te faz dançar? O que te faz criar?

 

No momento em que escrevo não sei a resposta. Acho curioso um ator responder a esta primeira pergunta. Sei que as fronteiras entre teatro e dança estão borradas e já vivenciei em processos criativos em teatro experiências de dança, por isso me arrisco a responder. Também acho importante e honesto neste momento fazer uma grande ressalva ao responder a essa pergunta e a seguinte que diz respeito à inspiração. Estou em um momento de crise com o teatro, com a dança e com a criação. Aceitar essa crise é um gesto de despojamento. Sei que neste segundo semestre de 2015 pretendo “cumprir” minhas atividades quase que inspirado na cultura alemã. Cumprindo meu último semestre na pós-graduação, cumprindo minha participação em dois processos criativos que estou vivenciando em teatro. Cumprindo minha agenda de trabalho, cumprindo meu projeto de mudar de casa e pela primeira vez (tardiamente) experimentar morar sozinho. O que me move hoje? Não sei. Sei que falta inspiração. Não sei ao certo quando ela foi roubada. O país está em crise, uma crise que desmorona a (minha) fé nas instituições. Há um sentimento geral de falência na política, na economia, na educação e a cultura parece ser o ponto mais frágil desta falência. A dificuldade de ser artista em um país como o Brasil é enorme. Trabalhos genuínos, autênticos e sem preocupação prévia com um encaixe em editais e “projetocracias” em geral são ainda mais marginalizados. Por outro lado fazer um projeto artístico pensando em seu enquadramento e viabilidade comercial parece assassinar qualquer qualidade artística e vinculação emotiva que se possa ter. O que pareço descobrir aos poucos é que os motivos que me conduziram à arte 10 ou 15 anos atrás eram ingênuos ou românticos. O que me fazia criar? Quais foram os primeiros encantamentos? Um deles era a possibilidade de bons encontros de uma forma que eu não achava possível na vida ordinária. Pessoas de teatro eram lindas e boas e livres e amáveis. Não penso mais isso. Outra possibilidade na arte cênica (dança ou teatro) era a redescoberta do meu corpo, corpo livre, corpo leve, corpo potente para o encontro e para a descoberta de suas potencialidades. Hoje, aos 32 anos meu corpo se esgarça e sofre sérias consequências da metrópole, do transito, do sedentarismo, da má alimentação, do álcool e do cigarro aos finais de semana... Sei que a arte e a dança neste contexto são espaços de resistência que me fazem bem. Sei disso e aceito. Mas é como estar instalado em um cabo de guerra onde duas forças se equilibram e consequentemente não saio do lugar. Abandonar o espaço da arte hoje seria sucumbir ao outro lado? Não sei... mas passa pela minha cabeça. Certa vez em 2011 vi uma palestra de Fernanda Montenegro para nós - jovens atores que estavam “se formando” naquele momento - e ela soltou aquela provocação quando lhe pediram para dar um conselho para quem estava começando. Respondeu em outras palavras: “Desista! Tenta sair fora! Se você não aguentar viver sem isso volta e continua!”. De outra mestra, já ouvi coisas do tipo: “Quem quer largar o teatro, larga! O teatro não vai sentir falta de você!”. São afirmações aparentemente cruéis, mas que parecem verdadeiras hoje. De fato qual a relevância do trabalho que faço hoje que não para mim mesmo? Para me manter num lugar de equilíbrio e talvez repouso citado acima. A arte pode ser importante para mim sei disso. Dançar e atuar podem me fazer entrar em contato com forças que a vida ordinária não permitiria. Mas daí a ser importante na arte para o outro há um enorme percurso. Sinto que isso tem pouco a ver com uma arte engajada ou militante que parece se reproduzir e dominar os editais de fomento. Mas qual a importância da minha atividade artística para minha comunidade e para o mundo? Diante da crise! Diante da falta de moradia, falta de água na cidade, falta de professores nas escolas, falta de gestão de locomoção na cidade, falta de dignidade na terceira idade... Falta de saúde. A arte pode flagrar e denunciar estes problemas, mas o jornalismo a política e o povo também podem faze-lo e o fazem. Chegamos ao momento em que estamos indo às ruas colocar a boca no mundo e dizer o que nos falta. Então posso deixar de ser médico, professor, juiz ou político para dançar e criar sem que para isso seja assegurada qualquer previdência de que no futuro terei minha dignidade ressalvada? O que fazer? Sair do país e buscar um lugar no mundo onde a arte seja valorizada pela sociedade como uma forma urgente de criar novas metáforas para a vida? Ficar e lutar contra o tempo e contra as visões que fazem do artista um exibicionista fútil na indústria de entretenimento ou um romântico que faz suas peças para sua classe aplaudir ou criticar? Ouvimos muito durante as práticas em sala de ensaio ou de aulas em artes: “Não sabe o que fazer? Para”. Preciso me dar este tempo de parar e ouvir o que o espaço está me dizendo. Não posso me dar ao luxo de interromper a pós, os trabalhos que estou desenvolvendo em artes e fora dela... Isso seria chamado pela sociedade de depressão ou fracasso. Minha conduta também não me permite faze-lo. Mas volto ao inicio do texto. Vou ‘cumprir’ esse ano de 2015. Como o alemão que não sou. Como o soldado espartano que não sou. Como o brasileiro da periferia da cidade que sou assombrado diante da crise que não é só econômica. Cumprir com algum brilho e dignidade se me deixarem cumprir. E encontrar entre uma tarde e outra livre o espaço para o silencio que nos falta e antecede o movimento da dança e da criação. Cuidado para dar o próximo passo. O próximo ano. Morte e renascimento. A vida é feita de mortes e renascimentos. Fico feliz de não saber o que será do ano que vem. O que será que vai me provocar e comover e espantar me conduzindo à criação de novos movimentos na vida.

 

(Torno publico agora esse texto escrito por mim em 09/2015.

Ah... Entre crises e hiatos, continuo minha trajetória possível na arte.)

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