Antes tarde que mais tarde... Acabo de viver a minha experiência pessoal com Hamlet, para alguns o maior clássico da dramaturgia ocidental. Aproveitei a volta do espetáculo Ensaio.Hamlet da Cia. dos Atores sob direção de Enrique Diaz para ler o texto na integra e, de quebra, acompanhar um workshop de quatro horas com o diretor.
Minha ansiedade e expectativa eram grandes, mas não maiores que as cobranças de amigos próximos, indignados com meu desconhecimento. Bem, na realidade em se tratando de clássicos, evidentemente eu já havia lido o Hamlet, pulverizado num trecho em inglês sobre a morte de Ofélia numa apostila de curso pré-vestibular; na recorrência intrigante do monólogo “Ser ou não ser...”; em milhares de produtos culturais televisivos e cinematográficos; na impactante Hamletmachine de Heiner Muller; na velha imagem do ator abatido vestido de preto com uma caveira nas mãos etc.
A primeira surpresa de Ensaio.Hamlet foi motivada pela fala do diretor (Encontro.Hamlet - SESC) – Enrique nos diz ter lançado mão de workshops com os atores, composições e depoimentos pessoais para criar um espetáculo que não apresentaria uma leitura fechada de Hamlet. Curiosamente o Hamlet de Shakespeare está muito presente na montagem tanto na ordem cronológica da ação quanto na presença de trechos inteiros que dão conta da essência do livro. Assim, ao contrário do que eu poderia imaginar, não se trata de um espetáculo constituído por marcas de pessoalidade que se sobrepõe ao material dramatúrgico original.
Do ponto de vista historiográfico é fácil concordar que Ensaio.Hamlet é um divisor de águas no teatro brasileiro. A própria plateia do SESC Belenzinho tomada por grandes nomes da crítica e da produção cultural nacional entre estudantes e pesquisadores de teatro parece reforçar a relevância histórica da peça e certo “jogo de espelhos” ao qual o diretor se refere ao falar da estrutura de Hamlet.
Em 2012, Ensaio.Hamlet ganha certo ar familiar, provavelmente pelo fato de que seus recursos de linguagem foram exaustivamente reproduzidos na última década. Há um “sotaque contemporâneo" no espetáculo cuja gênese deve remontar ao período de sua estreia, mas que a reprodução não colabora para garantir o frescor que mereceria ter. Há, no entanto, uma justeza de Hamlet ao formato escolhido por Diaz a qual, intuo, também haver em sua montagem de A Gaivota de Tchekhov. Ajuste o conteúdo à forma e ao seu tempo, diz noutras palavras o príncipe Hamlet aos atores e parece ser obedecido pelo mais contemporâneo dos encenadores brasileiros.
Em alguns pontos o espetáculo também se faz no terreno experimental. Estamos diante de tentativas mais ou menos eficientes de se comunicar por meio de objetos da nossa cultura, ações reais, gestos e efeitos. Bem, a reestreia do Ensaio.Hamlet em São Paulo produz uma estranha sensação de intimidade e reconhecimento tanto pelo material clássico abordado, quanto pela reprodução vertiginosa dos recursos empregados na peça. E se fechar um sentido não é preocupação do diretor, ele acaba acidentalmente fechando uma das mais contundentes proposições nacionais para a enunciação teatral contemporânea, pós dramática ou seja lá como for o nome dado para nosso já velho teatro do homem contemporâneo flasheado, internético, pessoal... O resto salvo raras exceções tem sido silêncio.
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